sexta-feira, 13 de março de 2015

O jogo da ditadura da felicidade.



Sou só eu? Ou mais alguém por aqui tem coragem de assumir? Sou só eu ou tem mais alguém que não aguenta mais a ditadura da felicidade? Ficar triste vez em quando virou doença, é demodê. Todo mundo tem sempre que tá feliz e com um sorriso no rosto e distribuindo afetos e cantarolando e assobiando e.

Mas você deixa? Posso ficar um pouquinho triste? Posso ficar reflexiva? Posso ficar um pouco no meu mundo e esquecer o que passa aí por fora? Posso ser eu de verdade sem as máscaras que o convívio social e a ditadura da felicidade tentam impor pra mim?

Deixa eu sofrer porque estou com quase vinte e cinco anos, nenhum centavo no banco, sem emprego, sem nenhuma grande conquista, sem nenhum bom feito pro mundo. Deixa eu sofrer um pouco por isso sem vir correndo mandar eu ter calma e falar que tudo vai se ajeitar, que ainda tô muito nova e que não tem porquê tanto drama e tanta preocupação.

Eu sei, eu sei. Minha vida é ótima. Tenho pais vivos e que me amam, tenho amigos que me rodeiam, tenho uma casa onde posso todos os dias tomar banhos e limpar as sujeiras do mundo, tenho uma cama onde posso me refugiar de tudo e todos, tenho sempre pão quentinho na mesa posta. Eu sei, realmente a minha vida é boa pra caramba.

Eu não faço vaga ideia do que é acordar, tomar café da manhã mas saber que janta não vai ter. O que é acordar, não ter café da manhã e janta menos ainda. O que é ter que ficar com a mesma roupa por dias e dias sem tomar um único banho. Eu não faço vaga ideia do que é não ter uma cama macia pra desabar quando o mundo parece pesar demais sobre os meus ombros. Eu não consigo nem imaginar o que é viver sem pais, o que é viver sem saber o que é amor, carinho e compaixão.

Só que tudo isso, em vez de deslegitimar meu sofrimento, o potencializa. E sofro mais ainda por sofrer por coisas tão fúteis e ridículas e banais como ter quase vinte cinco e agir como quem tem dezessete.

E eu me acho tão cool e descolada e livre de preconceitos. Só porque sou amiga do ambulante, só porque converso pra caramba com a moça da faxina, só porque cumprimento sempre o meu porteiro. Como se nada disso fosse normal ou corriqueiro. Me acho destemida por andar pelas madrugadas sem medo, pegar ônibus pra cima e pra baixo a hora que for.

Mas me bota pra ir sozinha pegar ônibus na Central do Brasil. A garotinha tão cool e destemida chega a chorar com medo, com o choque de realidade de milhares de crianças que mal devem saber falar cheirando tíner e com um olhar já malicioso. E a polícia dando uma dura em outros moleques. E todo aquele ambiente que parece tão hostil, mas que, infelizmente, não passa da dura realidade. E aí, saindo da bolha, eu consigo ver o quão pequena sou, o quão igual sou a qualquer outra acéfala garotinha da zona sul.

E mais sofrimento por não fazer nada pra mudar essa realidade. E o mundo pedindo, implorando pra eu jogar o jogo dele, pra eu fingir que não me importo, pra eu voltar pra minha bolha e viver na ditadura da felicidade como todos que me cercam e fazem parte do meu convívio social.

Vai lá, Tati. Toma um copo d'àgua, lava esse rosto. Não olha pra todos os lados, olha pra esse nosso mundinho só. Olha pra sua vida que é quase de comercial de margarina. Vem, bota uma roupa bonita, maquia esses olhos pra esconder que muitas lágrimas caíram deles, veste aquele seu sorriso bonito que sempre elogiam. Vem ser feliz com a gente, tomar uma cerveja, jogar uma conversa fora.

E eu vou. E pelo menos por algumas horas eu fico ainda mais fútil e patética que o normal. Sorrio e gargalho como se não soubesse o que é dor, o que é sofrimento. E pra completar o pacote de autotraição, fotografo tudo e compartilho em redes sociais. Afinal, que graça tem sucumbir e jogar esse jogo imundo que todo mundo joga se ninguém ficar sabendo?

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