terça-feira, 23 de outubro de 2012

O espelho.



Era sábado a noite. Tomou um banho com calma. Sentiu cada gota penetrar seu corpo. Esfregou os cabelos, ensaboou-se e ficou mais uns minutos desfrutando do prazer que sentia. Imaginava que a água lavava não só seu corpo, mas seus problemas. Gostava de pensar que por aquele ralo desciam muito mais que o shampoo, o condicionador, o sabonete e as sujeiras diárias. Pensava em todas as suas dúvidas, tristezas e incertezas e as via diluindo-se junto à água, indo embora para não mais voltar. Sabia que não era assim, que infelizmente as coisas não funcionavam dessa maneira. Mas enganar-se por alguns minutos era poder fugir e sentir-se livre de todas as correntes mundanas.
A toalha macia e cheirosa enxugou cada cantinho de seu corpo, cada pedaço de sua pele. Vestiu-se com calma, admirando-se. Nos cabelos, outra toalha permaneceria durante mais algum tempo. 
Não tinha planos ainda. Não sabia o que ia fazer. Talvez poderia encontrar os amigos para conversar e beber algumas doses de felicidade barata e fugaz. De repente, poderia ligar  para mais um daqueles meninos que aparecem e desaparecem e que ela resolve tirar do fundo da bolsa vez em quando. Enquanto pensava qual poderia ser a melhor opção, cuidava de si como se fosse uma princesa.
Cada detalhe de seu corpo recebia um carinho e uma atenção especiais. Para os olhos, resolveu usar os rímeis, lápis e delineadores novinhos em folha que tinha comprado de presente para si. Marcou bem sua expressão. Nem muito sombria, nem muito alegre. Misteriosa na medida. O batom vermelho coloriu os lábios e deu o ar de mulher fatal. As maçãs do rosto receberam uma pequena pincelada de blush, pequena mesmo, pois ela já estava satisfeita com seu bronzeado. E assim foi cuidando de cada pedacinho seu.
O processo demorou mais que o costume. Geralmente, ela se arrumava bem rápido, mal prestava atenção no quanto seu colo era bonito, por exemplo.
O resultado foi radiante. Nem mesmo ela estava se reconhecendo. Fazia tanto tempo que não se aprontava com tanta dedicação. Surpreendeu-se ao ver que já estava mais para mulher que para menina. O espelho revelava que por cima de tanta confusão e inquietude, ela podia se mostrar uma mulher forte e bem resolvida.
Depois de pronta, começou a ponderar. "Ligo para as meninas e combino mais um sábado como todos os últimos?" Achou que não devia. Pensou que deveria dar uma inovada. "Que tal, então, aquele cara que costumava ser legal comigo?" Desistiu da ideia também. Ela merecia mais que alguém que aparecia quase tanto quanto a lua nova. Ainda insistiu pensando em um ou outro caso ultrapassado, mas percebia que não era daquilo que precisava.
Resolveu então, inesperadamente, que sairia sozinha. Pensou que estava realmente maravilhosa, que havia de fato se dedicado muito a ficar assim. Achou que, apesar de todas as inseguranças e incertezas, ninguém além dela merecia tanto.
Pegou sua bolsa, calçou os sapatos, guardou as chaves e deixou o celular em casa. Saiu sem rumo pelas ruas, percorrendo calçadas e esquinas com o mais genuíno dos sorrisos. A noite estava bonita, a brisa agradável. Deixou-se levar pela vida. Deixou-se perder pela madrugada. Nada melhor que perder-se um pouco depois de finalmente encontrar-se.