sábado, 4 de abril de 2015

Eduardo.




Sabe, Eduardo, quando eu tinha a sua idade, 10 anos, eu era uma criança como outra qualquer. Minhas principais ocupações eram o colégio e a ginástica olímpica. Nessa idade, eu amava brincar, sonhava em ser atleta, competir uma Olimpíada, depois ser médica, de repente, e, claro, viajar o mundo todo. "Não quero casar não! Tá doida que vou lavar cueca de marido! Vou é ter vários namorados e conhecer o mundo!", eu dizia, com uma lucidez impressionante pra tão pouca idade. Acredito que, como eu, você tivesse um monte de sonhos, planos e imaginasse um monte de coisa linda, doce e colorida pro seu futuro.

Eduardo, provavelmente nossa infância foi um pouco diferente, porque eu moro na zona sul e sempre morei e venho de uma família de classe média. Mas apesar disso, a família da minha mãe talvez seja tão humilde quanto a sua e isso me fez ver desde cedo que o mundo não é esse quadro cor de rosa que as menininhas da minha idade e da minha escola conheciam.

Sabe, Eduardo, a minha tia avó mora numa comunidade na periferia de Nova Iguaçú. E adivinha qual era a maior diversão nas minhas férias? Ir pra lá, ficar uma semana, mais ou menos na casa dela. Eu adorava. Uma prima da minha idade quase morava ali pertinho também. Você consegue imaginar, Eduardo, o quanto eu gostava de ir pra lá? Era tão bom! Eu brincava com várias outras crianças que tinham mais ou menos a mesma idade que eu. Ficávamos o dia inteiro pela rua brincando de pique, queimado, casinha e o que mais nossas imaginações permitissem. Eu chegava em casa imunda, cheia de terra daquelas ruas sem urbanização. Mas com uma alegria sem igual,

Eu adorava aquelas crianças de lá, que brincavam comigo sem parar. Eu não conseguia ver diferença nenhuma entre eu e elas. No máximo percebia que as roupas delas eram bem surradinhas e maltrapilhas e as minhas eram mais direitinhas. Percebia também que elas não tinham tantos brinquedos legais como eu tinha, mas em compensação eu via que elas tinham a rua pra brincar, coisa que eu nunca tive, a não ser quando estava por lá. As casas em que elas moravam também eram diferentes, quase todas tijolo puro, sem uma tinta, poucos móveis, às vezes um só cômodo. Mas eu sabia, Eduardo, que nada disso fazia delas diferentes de mim. Éramos todos crianças e precisávamos nos ocupar em brincar bastante.

A maioria delas não conhecia a praia, sabia dessa, Eduardo? Como podiam viver sem conhecer o mar? Eu sonhava em trazê-las pra passar uma semana aqui em casa e brincarem com meus brinquedos, irem à praia comigo, curtirem a piscina do clube que eu era sócia. Nunca aconteceu, não sei porque. Mas eu tinha vontade que elas viessem. Se eu podia ir ao clube, ter brinquedos, ir à praia, por que elas não podiam também?

E aí, Eduardo, nessa nossa idade de 10 anos, eu não entendia ainda muito bem toda essa injustiça e desigualdade desse mundo. Acredito que você também não via razão para as coisas serem como são, mas com certeza já devia ter sentido na pele o preconceito e o peso que morar em uma favela trazem. Sua mãe, assim como a minha, é trabalhadora e esforçada e fazia de tudo pra te proporcionar a melhor vida que ela podia. Vida essa que acabou, não é, Eduardo? Tragicamente acabou.

Hoje, nesses dias, todos sentimos sua perda. Eu não consegui conter minhas lágrimas diante de tamanha injustiça. Meu coração tá apertadinho, Eduardo, e eu queria muito poder dar um abraço bem forte na sua mãe. Eu queria muito que o mundo não fosse essa guerra que ele é. Eu queria muito que você e todas as crianças como você tivessem tantas oportunidades na vida como eu tive. Eu queria que o Estado e a polícia entendessem e respeitassem vocês.

Eu não te conheci, Eduardo, mas choro a sua perda com uma dor que não cabe em mim. Mas escuta, Dudu, aí de cima, nesse lugar lindo e iluminado que você está agora, trate de aproveitar o que não deu pra aproveitar por aqui. E reze, reze muito. Nós estamos com você. Que Deus conforte o coração da sua mãe, da sua família. E que nenhuma outra criança seja vítima fatal das circunstâncias. Que ser pobre, da favela e/ou negro, seja a mesma coisa que ser branco, do asfalto e classe média. Que a justiça, a segurança, a educação, a saúde, a urbanização, o esporte, a cultura, sejam para todos.

Fique em paz, Eduardo. Eterno anjinho.




Nenhum comentário:

Postar um comentário